Do amor e seus odores

Do amor e seus odores
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Assim escrito em uma crônica de jornal ou site de família pode parecer escatológico. Mas atire o nariz fora, como recomenda o amigo Nicolau Gogol, aquele que nunca passou por isso. Sim, o ato nobre e mais sagrado de um homem para uma mulher e vice-versa é a conquista do direito à humaníssima ventosidade denominada vulgarmente como pum, de acordo com os nossos educados dicionaristas.

O direito de emitir aqueles gases que partem do eu profundo e dos outros eus, como diriam os mais poéticos, na paz dos lares doces lares. Numa relax, numa tranquila, numa boa, como cantaria o síndico Tim Maia.
Melhor ainda: emiti-los e arrancar um “afe!” surpresa da amada. Não debaixo dos lençóis, motivo de sobra para qualquer divórcio, circo Orlando Orfei dos horrores, dependendo das iguarias ingeridas. Caiu aqui um parêntesis: cuidado com a mistura explosiva de fava, bacalhau, batata doce, ovo de galinha capoeira.
Pólvora de bacamarteiro perde, né, Jojô Arcoverde? Evitem o circo dos lençóis e o resto vale, é pura prova de amor. Com janelas abertas, então, não passa de uma droga recreativa capaz de animar a vida besta dos casais nos seus pombais.
– Peidaste?!– salta ela, em bom português.
–´Magina!
Como ainda não têm filhos, sobra, quase sempre, para o cachorro, senhor dos direitos autorais de tais flatulências anônimas na aurora dos romances. A sorte é que o cão assimila as impurezas do homem, tão-somente para tornar seu dono inimputável. O tal gás sarin sai à semelhança.
Melhor ainda é quando um reconhece a ventosidade do outro. De longe. Chega em casa, depois de uma festinha, social clube, e a nêga diz, até um tanto quanto orgulhosa, com o mesmo português infalível de sempre, assimilado das lições do velho e bom Pasquale:
– Fostes tu, desgraçado!
Emocionante saber que a criatura é capaz de reconhecer teus ventos mais elípticos, teus cheiros e fedores mais recônditos, tuas vergonhas mais perdidas, tuas cláusulas do melhor dos contratos rousseaunianos.
Mas qual seria o prazo ideal para liberar a prática na frente do(a) amado(a)? Se a convivência for intensa acho três meses um prazo razoável… Um semestre em casos de pombinhos que pouco se vêem, um ano quando o romance for de ponte aérea, cidade a cidade… Que acham?
E para deixar tudo mais literário e menos nojento – tem gente que não suporta conviver com as nossas verdades que fedem –, recomendo um romance genial: A Assombrosa Viagem de Pompônio Flato (ed. Planeta), do escritor catalão Eduardo Mendoza. Com nariz tapado me despeço, até a próxima.
& MODINHAS DE FÊMEA
Há muito tempo, muito antes dos nossos avós, já havia a polêmica: a mulher deveria recorrer ou não aos recursos artificiais para embelezar-se, livrar-se dos pés de galinha e travar a peleja contra a foice do tempo, como já dizia Shakespeare?
É deveras uma das questões mais enrugadas da humanidade, que agora alcança o seu momento máximo, em tempos de Botox e até transplante de rosto. Em meados do século XIX, o poeta Charles Baudelaire já fazia um chamado para que as fêmeas superassem as “imposições” da natureza.
“A mulher tem o direito, aliás, ela está até mesmo cumprindo uma espécie de dever, quando se dedica a parecer mágica e sobrenatural”, pregava no ensaio Elogio à Maquiagem. Segundo o francês, não importava qual fosse o truque feminino, o que valia era o seu efeito irresistível.

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